segunda-feira, 19 de maio de 2008

RELAÇÕES INTERÉTNICAS NUM ESPAÇO HÍBRIDO-A RAMBLA DO RAVAL EM BARCELONA (Dr. PAULO JOSÉ SILVA

“Relações inter-étnicas num espaço híbrido – a Rambla do Raval em
Barcelona”
Um estudo preparatório para a comunicação apresentada ao Artigo 13.º
em Loures.
Um trabalho de:
Paulo José Jorge da Silva
Universitat Rovira i Virgili – Tarragona
Fundação Para a Ciência e a Tecnologia – Lisboa
Fevereiro 200

ÍNDICE


1) Introdução
2) Raval – uma história
3) Análise das Notícias: as imagens escritas
4) Análise temática:
a. O Raval: El Chino e El Bronx
b. O Raval multi...
5) Conclusão
Objectivos
Este texto pretende ser uma pré-leitura e um complemento à comunicação
apresentada no artigo 13.º em Loures. Aqui, pretendemos caracterizar
morfológica, social mas, sobretudo, simbolicamente, esse espaço no interior da
cidade de Barcelona em Espanha. Compreender a transformação das
heteronomias em metonímia ajuda a compreender a própria relação que a
cidade de Barcelona estabelece com um espaço encrostado no seu seio.
Assim, avançaremos para melhor relacionar e analisar as relações entre as
diferentes populações imigrantes e entre estes e os autóctones, estabelecidas
num espaço concreto, recente e polémico, a Rambla do Raval – um boulevard
com árvores no centro do próprio bairro.
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Parte 1
As sociedades estudadas pela Antropologia foram tradicionalmente
sociedades pertencentes a uma larga categoria, os primitivos, que mais do que
ser uma categoria real era um meio de distinguir a disciplina e dar-lhe
identidade. Esta categoria mais do que ser uma categoria empiricamente
observável (quantos antropólogos lutaram e lutam para mostrar exactamente o
contrário) , foi e é uma categoria ideológica do ocidente e da sua expansão
pelo mundo (da sua globalização). “Both primitivism and evolutionism are
founded on an identitical hierarchical vision of the world divided between
civilization/primitivity and we/they.”(Idem). A preocupação antropológica e
etnológica, foi durante muito tempo, a de recortar no mundo espaços
significantes, sociedades identificadas a culturas, elas mesmas concebidas
como totalidades plenas: universos de sentido no interior dos quais os
indivíduos e os grupos não são mais do que expressões deles, se definem face
aos mesmos critérios, aos mesmos valores e aos mesmos processos de
interpretação.1 Esta concepção evidentemente ideológica (como todas) é
reflexa de dois tipos de ideologia: a dos antropólogos e dos indivíduos por eles
estudados. Sobre estas ideologias recai uma concepção e uma organização do
espaço e do território, hoje ultrapassada e relativizada. O espaço urbano da
cidade é constantemente território em transformação, em relativização. É um
espaço histórico e fisicamente alterado e rescrito social e culturalmente
(simbólica e territorialmente).
Os estudos sobre a cidade e a “urbanidade” fizeram-se isso sim a
propósito de um outro espaço geográfico que despontava e que crescia
desmesuradamente, com alguns problemas cuja resolução se apresentava
como urgente. Sobretudo, um crescimento populacional rápido e intenso, na
1- Convenhamos acrescentar que alguns países, sobretudo anglosaxónicos e francófonos, após perderem
os seus impérios e consecutivamente as facilidades de estudo dos “seus primitivos” viraram-se para uma
faixa do continente europeu que ainda tinha muito para descobrir - o mediterrâneo - desenvolvendo uma
antropologia a que se dominou mediterranista. Pois esta, tal como a anterior, esqueceu-se praticamente de
todo o passado desta faixa de um mar e limitou-se a estudar as zonas rurais, generalizando por vezes as
suas conclusões. Esqueceu-se como já se fizera para África e Américas de toda uma tradição cosmopolita
e urbana destas regiões.
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cidade de Chicago, provocado pela chegada de populações imigrantes. Existe
claramente, uma orientação preferencial para um certo campo social,
verificando-se uma maioria de histórias de vida e trabalhos antropológicos
consagrados às «minorias», no sentido mais amplo do termo. “Notar-se-á que
esta orientação retoma, bastante curiosamente, as primeiras histórias de vida,
uma vez que os projectos da chamada Escola de Chicago estavam centrados
(numa outra perspectiva: a vontade de reconduzir os desviantes a ordem
estabelecida) nos migrantes recentemente instalados nos Estados Unidos, não
assimilados e perturbadores da ordem” (Poirier, Jean e Raybaut, Paul,
1995:12). Estes estudos iniciados num país com um crescimento económico
exponencial e classificado como “desenvolvido” intensificaram-se após a
segunda guerra mundial, existindo desde finais da primeira guerra.
Pertencendo a uma corrente sociológica (e também antropológica pela
metodologia utilizada mais do que pelo objecto em si, posteriormente chamado
à cena antropológica) denominada de “Escola de Chicago”, esta postura
originou um conjunto de estudos hoje considerados entre os primeiros da
antropologia urbana na história desta disciplina.
Neste meu trabalho quero seguir a sugestão de Arjun Appadurai: “One of
the principal shifts in the global cultural order, created by cinema, television,
and VCR technology (and the ways in which they frame and energise other,
older media), has to do with the role of the imagination in social life.”
(Appadurai,1991:198). Pretendo então descobrir esta vida imaginada e
sobretudo criada por fora do Barri del Raval. Para o efeito utilizarei a análise do
discurso da imprensa escrita e do cinema, como dois meios de comunicação
de massas bastante influentes em toda a cultura ocidental. Estes meios, com a
televisão incluída, têm feito com que cada vez mais um maior número de
pessoas vivas em função de vidas imaginadas, sejam as suas ou sejam as dos
outros (por vezes autênticos desconhecidos na “vida real”).
Ainda que acredite que as pessoas distinguem entre os meios e as
imagens por eles produzidas, creio que apesar de tal vivem ou tentam viver
consoante modelos instituídos e que se vão divulgando e alterando, alguns dos
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quais ganham perenidade e tornam-se difíceis de destruir, obrigando a grandes
operações de maquiagem e marketing. “More persons throughout the world see
their lives through the prism of the possible lives offered by mass media in all
their forms. That is, fantasy is now a social practice…” (idem). Mais do que
fantasia prefiro chamar-lhe criação imagética, onde cada um com os dados
disponíveis e divulgados de diferentes formas cria uma visão do social, o mais
próxima possível de um modelo hegemónico e partilhado por uma maioria.
Basta para o efeito relacionar as imagens produzidas desde há muito sobre o
Barri del Raval e o trabalho levado a cabo pelas agências de arrendamento de
casas, que dirigem a população para determinadas zonas da cidade consoante
um grupo de características: zona de origem, cor da pele, estrato social,
objectivos de vida em Barcelona.
A etiqueta de “bairro violento e perigoso” apresenta-se assim como
elemento caracterizador de um espaço público e de indivíduos privados, que
obriga cada um a viver com ela, transformando-se a dicotomia em espaços
privados e indivíduos públicos. Parte desta etiqueta aplica-se a um espaço
onde as pessoas estão desterritorializadas, onde cada um necessita construir
o seu novo “millieu”: “Deterritorialization is one of the central forces of the
modern world since it brings labouring populations into the lower-class sectors
of relations wealthy societies, while sometimes creating exaggerated and
intensified senses of criticism of, or attachment to, politics in the home state.”
(Appadurai, 1991:193). Esta desterritorialização provocada quer por uma
globalização que leva à procura de trabalho fora do local de origem,
nomeadamente, neste caso, por parte de populações oriundas de países não
católicos e jovens quantas vezes com um primeiro contacto por via ilegal,
provoca este processo de etiquetagem e estigmatização de um espaço. As
cidades como pólo aglutinadores de multissociabilidades - o espaço urbano
atrai não só diversas culturas como diversas formas de fazer sociedade -
desenvolvem processos aglutinadores e desconstrutores de populações: por
um lado aglutina-as em torno de si e por outro desconstroí os espaços
anteriores reconstruindo-se a si própria.2
2 - Creio que falarmos de multiculturalidade mascara um tipo de sociedade e de fazer sociedade existente
hoje em dia. Ainda que a palavra possa permitir imaginar o tipo de sociedade existente, a verdade é que a
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A etiqueta já aqui definida para o bairro do Raval serve como leit-motiv
para permitir desmanchar o novelo das ambiguidades entre processos
identitários: quem é o quê em relação ao bairro? As identidades que se possam
construir sejam elas globalizadas ou globalizantes constroem-se em quatro
sentidos: de dentro para fora, de fora para dentro, de dentro para dentro e
finalmente de fora para fora. Somente deste modo podemos relacionar o
processo global (ou seja exterior e nem sempre controlado ou do conhecimento
do bairro) com o processo local (ou seja interno e normalmente controlado e do
conhecimento do bairro). Por exemplo sabemos que nem sempre (ou quase
nunca) as pessoas que vivem num determinado espaço têm conhecimento do
total número de crimes praticados no mesmo ou na sua periferia (isto porque a
periferia de um espaço pode também delimitar a personalidade do mesmo),
elemento detido por instituições exteriores ao bairro. Assim como alguns dados
são magnetizados por certos meios e extrapolados no seu real sentido,
provocando visões sobre esse espaço. 3Sendo assim, uma antropologia que
queira estudar as identidades de um espaço e dos seus habitantes deve estar
atenta aos processos imagéticos de construção de características.
A própria construção local (Barcelona por exemplo) em relação a um
espaço ainda mais delimitado (Raval) procede muitas vezes de um mundo de
tipos e tipificação, sobretudo quando o objecto de análise da antropologia é a
sociedade do próprio antropólogo - ou melhor do discurso que existe sobre
essa sociedade. Na realidade Raval ou Barcelona pertencem à sociedade da
mesma se tem aplicado sobretudo a sociedades ocidentais. Em parte tal sucede numa tentativa de
sublinhar um certo tipo de cosmopolitismo e responder a um crescente processo de imigração. Contudo,
esta ideia de sociedades multiculturais apresenta-se-me como uma falsa questão, na medida em que não
conheço qualquer sociedade em que as diferentes culturas que possam ocupar o seu espaço tenham o
mesmo grau de participação pública e aceitação privada. Isto é, não existe qualquer espaço geográfico
cuja hegemonia de uma cultura não exista assistindo-se a uma multiculturalidade , a uma participação
paralela de todas as culturas aí residentes. Creio isso sim, que existem sociedade que, por diversas razões,
aceitam (ou até fomentam) a existência e a participação de diferentes culturas. Estas estabelecem-se
como culturas flutuantes, isto é, que flutuam ou gravitam em torno de uma cultura receptora, sem contudo
atingirem o mesmo estado de solidificação da cultura receptora nesse espaço geográfico e simbólico.
3 - A própria correlação existente entre violência/marginalidade e pobreza na comunicação social e
provavelmente em muitos de nós enquanto membros de um tipo de sociedade não permite conhecer toda
a extensão da violência numa comunidade, porque desenvolve somente uma das suas características. A
violência não é apanágio dos marginais ou somente dos pobres. Provavelmente espalha-se por todas as
camadas sociais, numa geometria com contornos diferentes mas cujo vértice acaba por ser o mesmo - a
violência enquanto processo de efabulação.
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qual venho meramente num campo ideológico criado anteriormente a qualquer
análise empírica, merecendo da minha parte a desconfiança e o fascínio que
qualquer outro espaço tem. O que este espaço processa de especial é que
sobre ele não posso esquecer os links existentes com processos que lhe são
exteriores (aliás o que creio não se deverá fazer para qualquer outra
sociedade), assim como com processos emergentes de representação
simbólica do mundo. “Today’s cosmopolitanisms combine experiences of
various media with various forms of experience - cinema, video, restaurants,
spectator sports, and tourism, to name just a few - that have different national
and transnational genealogies.” (Appadurai, 1991:209). Esta antropologia do
imaginado, em parte processo de elaboração do meu trabalho, permite saber
como se constrói um espaço para lá das suas fronteiras físicas (que na
verdade não existem) e um território para lá das suas imagens sociais. As
fronteiras, como dizia um poeta (Mário de Sá Carneiro) são aquilo que eu sinto.
O trabalho agora apresentado pretende discutir alguns dos conceitos
mais intimamente ligados à Antropologia Urbana, como sejam os de
«marginalidade», «gueto», «violência», «imigração e imigrante», «centralidade
e periferia», tomando como ponto de partida e de enfoque principal a violência
e o crime praticados em aglomerados urbanos, escolhendo para o efeito a
cidade de Barcelona, e tomando como unidade de análise o Bairro do Raval. A
escolha sobre este bairro recaiu, por nele conviverem imagens sobrepostas,
algo detectado no momento em que comecei a minha busca de casa para
viver. Este bairro era-me apresentado como “terra no grata”, profundamente
tipificada no imaginário barcelonés, quer como espaço boémio, quer como
espaço de violências e males urbanos. Aqui parecem viver os “indesejados” de
uma cidade. Algo que não me parecia tão claro, tendo em conta que este bairro
tem uma população que ronda as 40.000 pessoas, constituindo o maior índice
de ocupação por metro quadrado da cidade de Barcelona.
O Bairro do Raval (ou bairro chino numa metáfora mais imagética e
simbólica) enquanto fronteira espácio-administrativa não existe, na medida em
que a unidade mínima é o Districto Municipal e este bairro está incluído no
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Districto Municipal de Ciutat Vella (Primero District), que inclui praticamente
todo o casco antigo de Barcelona anterior ao projecto Cerdá de expansão para
Sul (Eixample). Este distrito inclui assim bairros como Barri Gótic, El Born,
Barceloneta, Barri del Raval. De todos estes o Barri del Raval é o que tem uma
maior imagética em torno de si, bastando para o efeito recordar outro dos
nomes pelo qual é conhecido: Barri Chino. A Rambla, conjunto de ruas que
delimitam o bairro como fronteira, tanto a podemos incluir como tal ou como
centro do Districto de Ciutat Vella, dependendo da metodologia e do objecto de
análise. É mais a aplicação línguistico-metafórica que transforma parte deste
distrito em algo diferente para a população de toda a cidade.
Iremos analisar o bairro com os dados que temos para o distrito
municipal, não somente em números mas sim enquanto dados possíveis de
constituírem fonte de processos metafóricos e discursivos. O que poderemos
dizer para este distrito é que a sua população de imigrantes é de 5.212
pessoas, e segundo os dados 667 pessoas oriundas de países do primeiro
mundo (sic) e 4.545 de países do terceiro mundo (sic).4 Este distrito é ainda
aquele que concentra um maior número de população imigrante (19,2%),
sendo desta mais de metade africanos, e destes 31% são marroquinos.
Existem 1.057 pessoas de origem Sul-Americana, 1621 de Ásia, principalmente
de Filipinas (971) e Paquistao (391), 618 de Europa dos quais 536 da Uniao
Europeia (predominando Francese, Ingleses e Italianos), 55 da Europa do leste
e 43 pessoas originárias de outras zonas.
Os números mostram-nos que a população estrangeira não é sequer
maioritária, e que a população asiática é a segunda em termos de populações
imigrantes. Para além de todas as características que possam ter estas
populações, e dos motivos que levaram as pessoas a fixarem residência em
Barcelona e mais particularmente nesta zona da cidade, interessa-me
sobretudo analisar como estas características trabalham e são trabalhadas
pelo imaginário e pelo colectivo Barcelonês. Pelo menos neste capítulo,
4 - Muito haveria a dizer quanto a esta classificação, ano sendo contudo objecto de estudo deste trabalho.
Há a dizer que ela oferece-nos obviamente uma distinção precisa entre o que se considera “mundo
civilizado” o “nós” e “mundo ano civilizado” o “outros”.
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interessa-me discutir até onde, no meu trabalho final de tese tal é possível e
porque razoes. Conforme é dito na obra “Los Barrios de Tarragona”: “Es
curioso observar la importancia que la imagen pública de un colectivo humano
durante su etapa de formación puede tener a lo largo del tiempo. Hasta el
punto de que un barrio suele ser etiquetado como “conflictivo”, “peligroso”,
“sucio”, “agradable”, no en función de su realidad presente, sino de esa imagen
estereotipada que un día cristalizó socialmente por cualquier motivo y que
luego cuesta mucho de borrar. La verdad es que el grado de conocimiento que
los vecinos de Tarragona posee de sus barrios es muy escasa…” (Pujadas,
1987:228). O mesmo poderíamos aplicar a este bairro, que desde há muito
transporta a etiqueta de bairro perigoso, em parte devido a uma forte (ou
presumível) presença de habitantes estrangeiros com hábitos e costumes
diferentes, porque oriundos sobretudo de zonas do globo onde não predomina
a religião católica (ou sequer o cristianismo) e por uma população jovem em
busca de trabalho, por vezes iniciando ilegalmente a sua presença em
Barcelona. A própria catalogação como Barri Chino é mais fonte da história do
que um actual estado vivencial do bairro.
Descobrir como são criadas e motivadas as invenções culturais torna-se
objectivo de um tipo de antropologia. Neste caso descobrir como um bairro,
espaço metafórica e simbolicamente delimitado, representa toda uma panóplia
de formulações em torno de características diferenciadas para quem nele
nasce ou vive, ou visita ou pura e simplesmente ouviu falar. Um bairro é não só
aquilo que as pessoas constróem em torno dele , como também aquilo que ele
mostra a cada pessoa que o assoma, numa ligação dialéctica entre bairro e
pessoas. Convém acrescentar que esta antropormifização do bairro funciona
somente num sistema metodológico, no sentido de elevar a ideia do espaço
como criador de caracteres. Estes, formam-se na medida em que o diálogo
construído é fonte de processos identitários, onde a identidade é parte da
própria existência territorial do bairro. Deste modo passa-se do privado ao
público, analisando como pequenas particularidades (ou grandes
particularidades) se publicitam como elementos públicos, que transformam
posteriormente o privado de cada um, obrigando a uma negociação constante
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com o exterior e com o interior por parte de cada indivíduo, assim como por
parte do bairro.
Parte 2
Durante o século XIV o bairro do Raval mais não era do que um campo
aberto com terras cultivadas que abasteciam a cidade de Barcelona. Se nos
remontarmos ao período final da Barcelona Romana, vamos encontrar
caminhos que prefiguram a sua posterior função. O Mosteiro de São Paulo do
Campo foi o primeiro núcleo importante do Raval, anterior ao século X, em
torno do qual existia uma pequena aldeia medieval vinculada ao mosteiro. O
crescimento de Barcelona configurará um Raval num espaço em forma de
diamante entre o segundo troço de muralhas (Jaume I, 1268, la Rambla) e o
terceiro e último troço (Pere III o cerimonioso, 1348, as rondas e a Avenida
Paral.lel). Durante este período Barcelona apresenta-se com uma forte
expansão económica e social. O Raval estava situado nas margens dos
caminhos principais: o portal dels Tallers, por onde os aldeões (mercadores e
agricultores) entravam com as mercadorias para os mercados principais da
cidade; o portal d Sant Antoni, o acesso mais importante da cidade, e a porta
de Santa Madrona, junto a Las Drassanes, a única que ainda existente. A
cidade de Barcelona encontrava-se sufocada e prisioneira das muralhas de
Jaume I, e tinha que assegurar as expectativas de crescimento urbano. 5 Por
outro lado, existia uma tendência de muitas cidades da época, de encerrar
dentro de muralhas a suficiente extensão de terreno para prevenir a
subsistência dos seus habitantes em caso de guerras e cerco. Um outro motivo
da nova construção parece ter sido a necessidade de localizar fora do núcleo
5 - Aliás este parece ser um problema recorrente no urbanismo da cidade de Barcelona: a sua excessiva
população para o espaço da cidade. As últimas planificações para o Raval têm como elemento explicativo
da acção a excessiva população do bairro (cerca de 40.000 pessoas) e a necessidade de higienizar o
bairro. Parece que estes dois factores regra geral se encontram ligados, quer no período do século XIX,
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urbano principal os estabelecimentos, serviços e actividades mais
desagradáveis ou pouco recomendáveis. Em finais do século XIV e inícios do
XV, devido a dificuldades económicas (o comércio marítimo desviava-se para o
Atlântico através de Portugal), políticas (Barcelona encontrava-se praticamente
arruinada devido à guerra mantida com João II) e sociais (fuga e decrescimento
da população por pestes e epidemias), paralisando o crescimento do Raval,
que se manterá como zona de actividades sobretudo agrícolas.
Entre os séculos XV e a desamortização de Mendizàbal no ano de 1837,
o Raval caracteriza-se por uma perda progressiva da sua personalidade rural
para converter-se em «território de conventos». As frustradas expectativas de
crescimento do bairro vão deixar dentro das muralhas uma grande quantidade
de solo edificável, abrindo o caminho à instalação de ordens religiosas no
marco da Contra-reforma impulsionada pelo Concílio de Trento (1543-1563). A
começos do século XVIII faz-se sentir um início de urbanização, e as indústrias
começam a intercalarem-se no território por entre as hortas, conventos e
grémios. A proibição de 1718 de importar tecidos estampados do estrangeiro,
favorece a aparição de uma indústria manufactureira na qual se investem os
excedentes económicos que geravam o comércio agrícola e o da aguardente.
Entre 1770 e 1840 leva-se a termo a industrialização definitiva do bairro
del Raval. A partir da segunda metade de setecentos aparecem novas ruas
com fábricas i casas para os trabalhadores. Desaparecem os grémios o
subdividem-se em múltiplas casas de arrendamento para receber os numeroso
camponeses que fogem da fome que se faz sentir no campo (crise agrícola de
1765-1766), buscando na indústria de Barcelona a prosperidade que a terra
não lhes dava. O crescimento demográfico do Raval e o desenvolvimento das
fábricas são dois fenómenos intimamente relacionados. Os trabalhadores das
fábricas vão instalar-se no Raval vivendo próximo do local de trabalho. O Raval
converte-se, neste período, no bairro europeu com maior densidade
populacional, aproveitando até ao último metro o terreno edificável. Entre os
no período do plano de Cerdá e actualmente. A necessidade de expandir a cidade nasce também da
necessidade de higienizar os bairro sobrepovoados.
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anos de 1783 e 1785, instala-se no Raval a empresa de Erasme Gònima,
nascendo a maior fábrica de tecidos, estampados do seu tempo.
As horas de trabalho dos operários rondavam as doze/treze diárias (das
cinco da manhã às oito da noite), com dias de descanso. No primeiro quartel do
século XIX as fábricas vivem os seus momentos mais importantes. No ano de
1829 existiam do Raval cerca de 74 fábricas têxteis (2.443 teares e 657
máquinas de fiação). Entre estas fábricas destacava-se a instalada na Rua
Tallers: Bonaplata. Tinha entre 600 e 700 trabalhadores, e era das maiores do
seu tempo, e a primeira a utilizar a energia do vapor. A culminação de todo
este processo vai ser a instalação industrial conhecida por casa-fábrica, onde
coincidiam as suas grandes dimensões, a sua representatividade institucional e
a residência particular do fabricante. Este é por exemplo o caso da formação
da fábrica Espanya Industrial no ano de 1839 na rua Riereta, em que se
unificaram outros fábricas de reduzida dimensão que o proprietário já tinha no
bairro.6 Várias razões se podem apresentar para explicar a instalação de
fábricas no Raval: a primeira é que era o único espaço dentro das muralhas
onde ainda se podia edificar construções de grandes dimensões; e a segunda
é que a instabilidade política, provocada pelo carlismo e bandoleirismo, tornava
pouco atractivo instalar indústrias em outras comarcas, que mais a mais se
encontravam distantes da saída natural que fornecia Barcelona como cidade
portuária.
O descontentamento pelas condições de vida e trabalho no bairro chega
a uma situação critica durante o Verão de 1855. As empresas mantém os
salários baixos, e fecharam-se as fábricas durante uma semana como
demonstração de força, as associações de operários eram perseguidas e a
sopa da caridade («sopa dos pobres»)que se repartia entre os desempregados
e a gente pobre tinha sido suprimida. A 2 de Julho rebenta uma vaga de
discussão geral de direito a associarem-se e à jornada laboral de 10 horas.
6 - Este processo ainda que similar às vilas de Lisboa – territórios na cidade onde viviam os patrões,
administração e trabalhadores de uma fábrica poderosa – distingue-se destas exactamente por nelas não
viverem os trabalhadores que residiam no bairro. Provavelmente não houve essa necessidade de
concentrar os trabalhadores, visto já se encontrarem bastante concentrados e junto das fábricas onde não
trabalhavam, o que não acontecia no caso de Lisboa.
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A muralha que protegia o bairro do Raval (Avenida del Paral.lel e
Rondas de Sant Pau e Sant Antoni) vai manter-se até finais da Revolução de
1854. As revoltas operárias contra as modernas mecanizações e diversas
epidemias de cólera levam à decisão de derrubar as muralhas no ano d 1859 e
permitem a expansão urbana e industrial fora de um núcleo urbano insalubre e
facilmente controlável pelo movimento operário que começava a organizar-se.
O êxodo empresarial das indústrias do Raval do Plano De Barcelona inicia-se a
começos dos sessenta: Batló, Muntades, Juncadella, Bernardí Martorell e uma
larga lista de fabricantes saem do bairro seguindo as teorias higienistas de
Ildefons Cerdá. O traçado urbano do Raval que foi desenvolvido segundo
interesses económicos bastante concretos, começava a ser contestada. No
novo modelo de cidade, o Raval ocupa uma situação periférica como bairro
residencial operário. O Raval, o tradicional bairro industrial da Barcelona do
século XIX, continua a ter, em começos do século XX uma composição social
eminentemente operária. Os movimentos operários do bairro vão assumir uma
importância que ultrapassa as próprias fronteiras do mesmo. No ano de 1870
celebra-se na desaparecida rua Montserrat o I Congresso Operário Espanhol;
no ano de 1871 o principal sindicato catalão da época, o têxtil – Les tres
classes del Vapor - que tinha como sua a rua de la Cera, adere à Primeira
Internacional; no ano de 1888 na rua Tallers, saí a convocatória para reunir
todos os delegados do Estado Espanhol para fundar a UGT no mesmo bairro
(no antigo Teatro Jovellanos, situado no número 29 da mesma rua).
O Raval vai convertendo-se cada vez mais num bairro de casas para as
classes com menos poder de compra, entre as quais os imigrantes (chegados
sobretudo nos anos das exposições universais de 1888 e 1929), que nele têm
uma parte destacada. Esta extracção operária vai ter um papel destacado
durante a Semana Trágica (26-31 de Julho de 1909), durante a qual o Raval
vai ser um dos principais cenários da queima e destruição dos conventos (o de
Escolapis, Sant Pau del Camp, les Jerónimes, Sant Antoni Abat, la Nativitat,
Santa Madrona, entre outros) e de enfrentamento entre a população e o
exército.
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O amontoamento humano, uma rede viária deficiente e tortuosa, a
proximidade do porto, e a dedicação de muitos edifícios como bares, salas de
espectáculo e casas de prostituição, acabarão por configurar uma zona a sul
do Raval que no ano de 1925 recebe o nome de Barri Xino pelas mãos do
periodista Ángel Marsà.7 É neste período que se cola ao bairro uma imagem,
reducionista (porque correspondente a uma vertente sociabilitária do bairro),
significante (porque metamorfoseia o bairro e os seus habitantes, dá-lhes
imagem), simbólica (porque pretende compreender o bairro, designá-lo para o
exterior), metonímica (porque toma o todo por uma das partes). Esta imagem
mantém-se durante quase todo o século XX (finais da década de 80),
começando a decair esta simbólica do bairro, que devido a um aumento do
tráfico e consumo de drogas ilegais vê chegar às suas ruas novos habitantes,
novas sociabilidade que estabelecem novos territórios. Este processo, exógeno
ao bairro, agudiza-se e parece surgir aquando da crise económica espanhola
de 1974-75. “Entre los años 1975 y 1992, el Raval va a vivir una de las etapas
más intensas y dramáticas de su historia: el Raval se convertirá en un foco
insostenible de delincuencia y marginación; una situación que afectará
igualmente y con idéntica virulencia a la plaza Reial, la zona de Escudellers y la
parte baja de la Rambla. La grave crisis económica iniciada en 1973, y el
consiguiente impacto del paro; el cambio político y social producido a
continuación en el país con el triunfo de la democracia; la presencia de gran
número de extranjeros incontrolados y, sobre todo, la expansión del mercado
de la droga, en particular el de la heroína, convulsionarán en mayor o menor
medida la parte de la ciudad que hoy conocemos como Ciutat Vella (Barri
Gótic, Cas Antic, La Rambla, Raval y Barceloneta)...” (Villar, Paco, 1996:227).
7 - Há quem aponte uma outra data, a de 1927 (Paco Villar). Contudo parece ter sido anteriormente, em
1925 que numa noticia do jornalista madrileno sobre Barcelona que surge pela primeira vez o nome de
Barrio Chino em comparação com o Bairro Chinês de Nova York e Londres. Alguns autores referem
também que houve uma primeira denominação como tal em 1917. O que importa é que este nome surge
como metáfora e signo de uma imagem. Ele transporta para o seio da própria sociedade barcelonesa uma
imagem muito tipificada do Raval. Imagem que se irá manter até á década de 90 do século XX. Se esta
imagem surge como consequência de uma «degradação» e «transformação» territorial do bairro, com
novos habitantes e novas sociabilidades instaladas, também é verdade que esta denominação, ou pelo
menos aquilo que a significava, começa a desaparecer em meados da década de 80, devido a uma nova
transformação do bairro, com novas sociabilidades, e com territórios emergentes dentro dele – a
proliferação da droga, o aumento de traficantes e consumidores de drogas ilegais, e posteriormente a
vinda imigrantes estrangeiros.
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Contudo, antes, a guerra civil espanhola e o franquismo tentaram alterar
o mundo do Barri Xino. As destruicções da guerra e a miséria do pós-guerra
acabarão por arruinar a vida nocturna do bairro, processo terminado com o
decreto-lei de encerramento das casas de prostituição no ano de 1956.8 As
primeiras vozes para a melhora do bairro surgiram nos anos trinta da Segunda
República (1931-1936), com as propostas dos arquitectos do GATCPAC. O
plano Maciá dava soluções racionalistas e integradas aos problemas do bairro.
Mas foram as bombas da guerra civil que fazem os primeiros «saneamentos»
urbanísticos traumáticos a sul do Raval (Avenida García Morato, hoje Avenida
Drassanes). Durante os anos oitenta do século XX a administração impulsiona
uma política de reformas e reabilitação das casas, de abertura de espaços e
criação de equipamentos para a «comunidade», tentando deixar para segundo
plano o nome de Barri Xino e recuperando o antigo nome de Barri del Raval,
numa tentativa de alteração da imagem deste território. Uma imagem que se
quer institucionalizar: Raval passa a ser uma forma institucionalizada de
denominar uma bairro, que actualmente conta dentro do espaço que o alberga
com outras denominações, outras simbólicas que o instituem como um território
de distintas identidades e processos de sociabilização e construção endógena
de signos e símbolos em torno do bairro. As heteronomias dão lugar a uma
metonimia, os «ravais» dão lugar ao Raval.
Parte 3
Os meios de comunicação social sendo elementos de transmissão e
divulgação de informação assumem-se também como importantes factores na
formação de imagens mentais. Muito do que sabemos e conhecemos do
mundo que nos rodeia é-nos fornecido pelos jornais, rádio, e mais
recentemente pela televisão, que através do écran consegue dar-nos uma
imagem pretensamente mais real e exacta do espaço. “Por outro lado, e por
8 - Ainda que se possa considerar que a decadência do Barri Xino começa anteriormente à década de 80,
ela termina – a decadência torna-se efectiva – com o encerramento de um dos locais mais emblemáticos
do Barri Xino: a Bodega Bohemia nascida em 1892 e encerrada definitivamente em 1992.
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muito que os media acentuem o carácter «verdadeiro» e «transparente» da
informação que divulgam, esta pode ser influenciada pelo controlo exercido por
organismos estatais e governamentais que censurando as notícias difundidas,
exercem um papel de filtro. Também é necessário considerar as pressões e
influências dos quadrantes políticos com os quais os meios de comunicação
simpatizam, fazendo com que haja abordagens muito diferentes do mesmo
acontecimento” (Esteves, Alina, 1999:37). A estas juntam-se as informações
difundidas pelos meios de comunicação social como sendo efectivamente o
meio mais eficaz de influenciar a opinião pública sobre o volume de delitos
ocorridos, a sua gravidade e grau de violência. A imprensa escrita, a rádio, e
principalmente a televisão, por atingir um público mais amplo, são poderosos
meios de transmissão de mensagens considerados por muitos completamente
verídicas e honestas, acompanhadas de imagens sugestivas que causam
repúdio e condenação, mas que inevitavelmente atraem os cidadãos. “Segundo
Pat Mayhew, os media dão ênfase aos crimes violentos, concentrando as suas
atenções nos idosos e nas mulheres como vítimas de crime, criam ondas de
criminalidade artificiais e apresentam dados estatísticos sobre o crime de forma
enganadora.” (idem, p.43)
Nas palavras de Hans Schneider, existe na população uma grande
necessidade de notícias sobre criminalidade porque entretém e distrai do
aborrecimento da vida quotidiana. Os meios de comunicação de massas
satisfazem com gosto esta procura já que as notícias sobre crime são fáceis de
obter e baratas, além de que com elas pode vender-se quase qualquer produto.
Um pormenor interessante dos meios de comunicação é que eles criam, por
vezes, as suas notícias sobre criminalidade, podendo gerar ondas artificiais de
delinquência se forem exagerados alguns aspectos dos dados estatísticos
fornecidos pelas forças policiais. Haverá consequentemente uma alteração da
opinião pública sobre a evolução do crime e hipóteses de vitimação, no sentido
de um maior receio e pessimismo. Como afirma Schneider, os mass media
«...formam e deformam o comportamento social» (Esteves, Alina,1999:41),
podendo contribuir para um maior isolamento dos indivíduos, que não saem de
casa à noite com receio de serem vítimas de crime, não conversam com
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desconhecidos ou não prestam informações a estranhos, pois a pessoa que
encontram na rua pode assaltá-los, agredi-los ou violentá-los.
Por tudo o que ficou dito, decidiu-se encontrar nos principais jornais
publicados em Barcelona esse Raval discursivo e imaginado, fonte de
caracterização do bairro e produto/produtor de imagens. Estas por vezes são
utilizadas como elementos para acção e para a construção de sociabilidades.
Assim, e após a leitura das notícias dividimos as mesmas pelas seguintes
temáticas principais:
-Civismo – onde colocámos todas as notícias que tinham a ver com
acções de carácter social praticadas pelos indivíduos, sobretudo quando essas
tinham por fim a melhoria da qualidade de vida e a criação de entidades para o
efeito. Encontramos neste grupo quer notícias do tipo das sobre El Casal del
Infants assim como sobre as associações de moradores e sobre patrulhas de
moradores.
-Cultura – neste apartado encontramos notícias sobre actividades
culturais, tais como bares, galerias de arte, espectáculos musicais, exposições
e espectáculos de travestismo.
-Festividades – neste bloco incluímos sobretudo festas com alguma
tradição na cidade de Barcelona e que afectam o bairro, tais como a Festa de
La Mercè.
-Gentes – aqui colocamos notícias sobre algumas personalidades do
bairro ou que escreveram e trabalharam para o bairro
-História – notícias sobre o passado do bairro, excluindo as que falam do
património arquitectónico incluídas num apartado próprio denominado
património
-Imigrantes – notícias sobre imigrantes residentes no bairro
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-MACBA – notícias sobre este museu. Separámo-lo dos outros edifícios
construídos durante este período no bairro, porque o volume de notícias sobre
o MACBA era bastante elevado, denotando-se um interesse geral maior pelo
mesmo. Os outros foram incluídos no apartado cultura.
-Pedofilia – notícias sobretudo referentes ao conhecido “Caso del Raval”,
publicadas sobretudo entre 1997 e 2000, as primeiras sobre a descoberta do
caso, e as publicadas nos dois últimos anos sobre a resolução judicial do
mesmo
-Serviços – notícias sobre serviços criados no bairro por entidades
oficiais, como seja o caso da nova esquadra policial criada na esquina da
Rambla com a Calle Nou de la Rambla, e a abertura de serviços universitários.
-Urbanismo – notícias sobre projectos urbanísticos levados a efeito no
Raval, excluindo as sobre o MACBA e os restantes museus criados no bairro
-Violência – notícias sobre actos de violência e criminalidade praticados
no bairro. Também se incluem artigos de opinião sobre o bairro quando os
discursos giram sobretudo em torno da degradação e violência do bairro.
Uma ligeira análise geral nas notícias publicadas nos anos 90, leva-nos
a constatar a existência de notícias sobre violência nos anos em que não existe
um assunto mais central. Assim, nos anos de 95 e 97 há um decréscimo
acentuado de notícias sobre violência e criminalidade. No primeiro dos anos tal
parece suceder porque a inauguração do MACBA centrou as atenções para o
bairro. No segundo dos anos a «rede de pedofilia» parece ter sido a causadora
de tal. Podemos, de certo modo, ser levados a pensar numa criação (por
omissão ou por exagero) de ondas de violência na imprensa. Tudo depende se
em tal ano não existiu um assunto mais «quente». Conforme já referimos as
notícias sobre crimes e actos violentos são fáceis e baratas de obter e sempre
criam o ambiente propício à venda do jornal.
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Numa segunda análise podemos constatar que os jornais mais
divulgadores do Raval foram os que introduziram um suplemento sobre a
cidade de Barcelona, tal como La Vanguardia, com o suplemento Vivir en
Barcelona (criado em 1998) ou o el Periódico com o suplemento Gran
Barcelona. Também acontece que estes são jornais originalmente catalães e
daí se poderá justificar o seu maior interesse por notícias locais. O mesmo não
acontece com os jornais nacionais, mesmo quando têm uma edição catalã,
onde se inclui um pequeno suplemento sobre catalunha.
Dominam as notícias os seguintes temas (conforme quadro 4): culturais,
em especial a abertura de novos espaços de lazer e cultura no Raval
(sobretudo novas galerias de arte em torno do MACBA e a abertura de
livrarias), assim como o encerramento de outros (galerias de arte e bares);
notícias sobre violência e criminalidade, principalmente nos anos em que não
existe um assunto mais importante, conforme já referimos; questões sobre
urbanismo, que constituem o maior número de notícias, denotando quer o
número de projectos urbanísticos existentes no Raval (nova Rambla,
demolições consecutivas, projectos de novas casa, de realojamento), assim
como um grande interesse por parte dos jornais (existem bastantes artigos de
opinião sobre edifícios do Raval, como o caso do Edifício Colom), não
esquecendo ainda a própria politização destas questõe, conforme podemos
verificar na seguinte notícia:”El efecto electoral que puede representar la
demolición de toda esta área há sido ya valorado desde filas socialistas. A él
se unirán la prolongación del paseo Marítim de la Barceloneta o el estreno del
nuevo acuario del Port Vell. Sin embargo, le repercusión pública de lor derribos
de el Raval puede ser mayor si antes de esa fecha el Ayuntamiento recibe
4.000 millones de pesetas del Fondo de Cohesión de la Unión Europea. Si se
confirma la intención del ministro de Obras Públicas, Joseph Borrell, de destinar
estos recursos a Ciutat Vella, el Ayuntamiento podría urbanizar inmediatamente
la zona. No obstante, el Govern de la Generalitat también quiere intervenir en la
gestión de estos fondos. CiU viene insistiendo desde hace meses en que las
comunidades autónomas deben ser las que administren las partidas del Fondo
de Cohesión que reciba el Estado español ..” (La Vanguardia, 04/09/94).
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Ao existirem poucas notícias sobre outro tipo de actividades do bairro,
como seja o caso de ONG’s, actividades de carácter assistencial/social, festas
locais e actividades culturais «marginais», mostra-se unicamente um dos
«rostos» do bairro, e bastante manipulado, visto estar-se a criar uma imagem,
tornada hegemónica, das possíveis existentes. De destacar ainda a fraca
existência de notícias sobre a própria população do bairro. Das poucas que
existem, somente uma se refere à população de uma forma mais geral (notícia
sobre as patrulhas), referindo-se as restantes ou a pequenos grupos dentro do
bairro, como seja o caso dos imigrantes, dos idosos, dos drogados e das
prostitutas, ou ainda quando se fala dos realojamentos. Denota-se assim uma
preferência pelos grupos minoritários, e por acções transformadoras do bairro.
Estas preferências não estão isentas da criação de uma imagem do bairro
como conflitivo e perigoso.
De salientar ainda que um assunto pontual como por exemplo o “Caso
del Raval” tem servido para alimentar uma imagem negativa do bairro e a
existência de notícias sobre a degradação do bairro, a existência de menores
de idade a viverem nas ruas do bairro, a existência de traficantes e ladrões
menores de idade. Sobre este assunto se detectaram 10% das notícias, tendo
sido explorado até às últimas consequências, demonstrando um apetite voraz
em assuntos escabrosos e de carácter negativo para o bairro. De salientar que
o principal arguido do caso não era morador do bairro, ainda que trabalhasse
como assistente social no Raval. Poder-se-iam ter desenvolvido notícias em
torno do trabalho dos assistentes sociais por exemplo, ou ainda em torno da
falte generalizada de educação familiar na sociedade actual, etc, etc, etc. Em
vez destes etcs, preferiu-se escrever notícias em torno da degradação do
Raval, da existência de famílias que alugavam os seus filhos para actos
sexuais, etc, etc, etc, sobre o Raval, dando a impressão de que todo o bairro
estava implicado, até ao momento em que os moradores do bairro se
manifestaram contra esta imagem. Desde o ano de 1997 nunca se deixou de
publicar sobre este assunto (conforme se pode verificar no quadro 3), primeiro
sobre a descoberta da «rede de pederastia» e finalmente sobre as resoluções
judiciais do caso.
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Em conclusão temos que a produção de notícias sobre um determinado
território segue uma imagem produzida anteriormente à notícia. A notícia
prolonga essa imagem, mais do que criar novas imagens, e neste sentido a
notícia parece ser um meio bastante conservador de criação de imagens e
territórios, visto não se interessar pelos novos territórios que vão surgindo
enquanto aspecto crítico e criador de imagens sobre um determinado lugar.
Existe como que uma imagem, à qual as outras se apresentam como
subalternas. Essa absorve todas as restantes, e muito facilmente encontramos
notícias sobre actividades culturais no Raval que não deixam de apontar como
essa actividade pode ajudar a melhorar a vida do bairro que se encontra
bastante degradada, violenta e perigosa. Parece não ser possível a vivência e
existência no bairro separada desta tipificação do mesmo.
Parte 4
A) EL Xino e El Bronx barcelonés
Uma imagem perdura no imaginário barcelonês e nos discursos e
notícias dos jornais: a do Raval como El Barri Xino, nomeado algures entre os
anos de 1926 e 1927 por um jornalista aquando da sua comparação entre o
Raval e os bairros chinos de Nova York e Londres, referindo-se a uma vida
diferente que se respirava nestes territórios. No entanto, nos dias de hoje a
ideia de Bairro Chino acompanha a ideia de um território violento, proibido, e
poderíamos quase dizer liminar. Ainda que exista uma certa nostalgia pelo
Chino de antes os discursos apresentam geralmente a ligação entre Bairro
Chino e Bairro Violento (chegando-se a comparar com o Bronx de Nova York).
“El distrito Quinto pasó a llamarse distrito Primero y el metafórico nombre
de barrio Chino, que apareció por primera vez en 1926, en un artículo del
periodista Paco Madrid («El distrito Quinto – decía – como Nueva York, como
Buenos Aires , como Moscú, tiene su barrio Chino») empezó a caer en desuso
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al tiempo que se volvía a hablar del Raval. Mientras los jóvenes se marchaban
del barrio y la media de población envejecía irremediablemente, a la ciudad
cada vez le era más urgente recuperar este espacio para mejorar la calidad de
vida de sus vecinos y para que pudieran descubrirlo todos aquellos que, por
temor a la delincuencia, nunca se atrevieron a adentrarse en las calles
angostas de la Barcelona canalla. (...)El gerente de Procivesa, Francesc
Compta, explica que hasta ahora se han llevado a cabo dos terceras partes de
este proyecto urbanístico, con el que «la ciudad recuperará una zona que
corría el peligro de convertirse en una espécie de Bronx barcelonés, un gueto
para el que nadie se esforzaría en buscar soluciones. Desde que en los años
setenta empezó la degradación con la heroína, el barrio chino había dejado de
ser lo que fue en el pasado.” (La Vanguardia, 07/11/94)
Se atentarmos bem na notícia para além de uma certa nostalgia desse
Raval do passado – El Xino – temos o prolongamento de uma imagem do
bairro como território «non grato», um território onde a identificação é
praticamente impossível e onde a relação com a cidade é estabelecida através
de uma imagem pejorativa do bairro. Ainda que a jornalista tente informar que o
bairro já não tem as características que o faziam ser receado, ela própria
desenvolve toda uma notícia onde descreve essas mesmas características
como actuais, informando ainda de que o bairro funciona como uma aldeia,
onde todos se conhecem e onde o «estrangeiro» é receado. Ora, em outras
notícias o bairro é apresentado como um território onde «cada um pode fazer o
que lhe apetecer», não sendo esta propriamente uma das características das
aldeias. Esta extrapolação do bairro com território violento sucede mesmo
quando o problema não está directamente relacionado com o bairro, mas antes
parece ser próprio da cidade, de um âmbito mais alargado. O bairro parece,
isso sim servir como uma «bela desculpa» para a cidade – onde a segurança
não aprece ser o seu forte. Os índices de criminalidade em Barcelona são de
nível médio/alto se comparados com outras cidades Europeias e, o Raval não
tem a exclusividade de tal. Em 1997 uma notícia sobre os índices de
criminalidade apresentava a zona de Sant Gervasi/Sarriá como a de maior
índice de actos criminosos, sobretudo no assalto a habitações e automóveis.
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“El Raval, una de les zones més conflictives de Barcelona, va tornar a
viure ahir a la matinada una altra história truculenta.Aquesta vegada els
protagonistes van ser un guàrdia civil que havia perdut el controli uns policies
que el perseguien per reduir-lo. La persecució i el tiroteig per diferents carrers
de la zona es va acabar amb la detenció del guàrdia, un jove de vint anys, i la
mort de dos dels policies que el perseguien. “ (Avui, 03/08/93)
Da notícia interessa compreender como um facto que não tendo
directamente com o bairro leva a considerações analíticas sobre o bairro e com
carácter pejorativo. Os adjectivos para classificarem o bairro são metáforas de
criação de uma imagem, ou de prolongamento acrítico dessa imagem. É de
estranhar que o jornalista não adjective a actuação do guarda civil, sendo ele o
principal implicado e caso da notícia. Limita-se a descrever os factos, mas
classificando o bairro. Acompanha esta notícia uma outra sobre o sentimento
de insegurança e vitimação no bairro, de modo a intensificar o carácter do
próprio bairro e a desenvolver e reificar melhor a imagem de violento que o
bairro transporta. O Raval parece ter uma imagem similar à que Alina Esteves
descreve para o bairro do Casal Ventoso em Lisboa: “A imagem associada a
bairros como o Casal Ventoso, do Relógio e Musgueira é a de locais de
marginalidade e degradação social, onde não é aconselhável passar, pois
sendo um elemento estranho à comunidade, onde todos se conhecem, pode-se
ser vítima dos delinquentes que aí residem.
Devemos realçar que esta imagem tão negativa é alimentada pelas
numerosas notícias divulgadas pelos jornais, televisão e rádio sobre as mais ou
menos frequentes rusgas policiais nestes bairros, à procura de droga e de
traficantes em flagrante delito.” (1999:157)
“John Kerry Lacey, un canadiense de 31 años, entró en España por Irún
el pasado 21 de julio. Al día seguinte tuvo que ir a la embajada d su país en
Madrid para conseguir un nuevo pasaporte porque le habían robado la
documentación. La madrugada de ayer falleció en una de las calles que aún
sobreviven de aquel famoso barrio chino de Barcelona. (...)
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El pasado domingo fue hallado en una plaza de Barcelona, con heridas
de arma blanca, el francés Jean Charles F. R., e 32 años. Estas fuentes
subrayaron ayer que, según los médicos, todo apunta a un intento de suicidio.
Los investigadores ya lo habían pensado, porque encontraron un cuchillo junto
al herido...
El que si fue atacado con una navaja, también la madrugada de ayer,
sobre las 5.30 horas, fue Juan José Ch. V., de 30 años, al que un taxista halló
en la Diagonal, esquina Provença...” (La Vanguardia, 10/08/94)
Esta notícia leva-nos a tecer algumas considerações: primeiro a
adjectivação utilizada para o Raval que imediatamente o classifica como aquele
famoso bairro chino (aqui sinónimo de perigoso) que ainda sobrevive; segundo
a não adjectivação para o caso da Diagonal, limitando-se a referir o nome das
ruas, sem fazer qualquer referência ao bairro às quais pertencem; terceiro a
não nomeação sequer do lugar onde foi encontrado o corpo do francês. Por
outro, uma notícia que refere três ocorrências mais ou menos violentas, tem
como título unicamente uma das ocorrências, e por acaso a do Raval, com
explicações bastante detalhas, não sucedendo o mesmo para os distintos
territórios. Podemos questionar-nos da seguinte maneira: ou o jornalista não
conseguiu informação detalhada para os restantes casos, ou pura e
simplesmente prolonga uma imagem bastante comum no imaginário
barcelonês, mantendo na obscuridade imagens similares sobre outros bairros.
O Raval parece transportar indefinidamente essa ideia de bairro «fazedor» de
criminosos e pessoas violentas, em vez de ser apresentado como vítima.
B) O Raval Multi...
O Raval tem na imprensa uma imagem poliédrica, isto é, que não
corresponde necessária e directamente a um único tipo de característica.
Predominando uma visão do Raval como território de marginalidade e violência
na cidade de Barcelona, denotamos, de forma implícita ou explícita, a
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conotação deste espaço com outros elementos, caracterizando-o como um
território de distintas identidades – ou um espaço com distintos territórios. Tal
permite-nos considerar que o Raval é na imprensa não um território único, mas
sim um conjunto de territórios sobrepostos ou paralelos. Há deste modo uma
série de territórios descritos na imprensa sobre este espaço.
Uma primeira abordagem permite-nos detectar uma tripartição do
espaço em áreas relativamente personalizadas e com fronteiras físicas mais ou
menos definidas: Bairro Chino ou Bairro de Las Drassanes; Zona Central;
Bairro del Ponent ou Zona del Macba. O primeiro destes territórios já foi bem
descrito no ponto A). Aqui interessa-nos acrescentar a indefinição das
fronteiras simbólicas e físicas deste território. Se por um lado este bairro – ou
sub-bairro – é apresentado como zona de prostitutas e droga, com um
referencial passado, por outro uma designação mais espacial faz referência à
Avenida de Las Drassanes, nomeando-o por antonomásia a esta. Este bairro é
tal como dito anteriormente a parte sul do Raval. O denominado Bairro Chino
tem fronteiras quer espaciais quer territoriais mais ténues e estendidas pelo
Distrito de Ciutat Vella, visto acrescentar a Praça Reial e parte da Rua dels
Escudellers.
Uma outra zona parece ser adicionada às mais descritas pelos autores.
Esta tem a ver com a criação da primeiro chamada pelos jornais de Praça
Central do Raval em 1994 até1996, de finalmente inaugurada como Rambla del
Raval em Setembro de 2000 durante as Festas de le Mercè. Durante a
planificação e construção da mesma parece ter surgido simbólica e
discursivamente uma área nova, apresentada como o coração do Raval. Este
discurso, sobretudo ideológico, exógeno e político pretende definir novas
fronteiras dento do bairro, separando categoricamente as zonas do bairro, e
para isso criando também fronteiras físicas mais visíveis e facilmente
identificáveis. Tal parece suceder com a Rambla do Raval, situada
simbolicamente no centro do bairro, pretendendo-se deste modo caracterizar o
bairro como território único, representando a Rambla essa praça central
necessária à convivência e existente na própria Barcelona – Praça de
Catalunya. A Rambla chega a ser comparada a esta no seu significado
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simbólico, como um espaço de construção cidadã num bairro plural. Esta
define ainda uma nova territorialidade – por um lado entre a Ronda de Sant
Antoni e a Rambla del Raval e por outro entre esta e a Rambla. Há uma
gentrificação do próprio processo de criação de espaços e territórios.
Evidentemente que outros territórios vão surgindo sobrepostos a estes e que
se «aproveitam» destes para criarem as suas fronteiras e os seus processos
identitários e identificativos.
“L’obertura de la Rambla del Raval és un projecte en que les
administracions municipal i autonómica han oblidat les seves diferencies
politiques. La Generalitat, per exemple, hi há aportat 5.373 milions de pessetes,
que han permès la construcció de 722 pisos, imprescindibles per reallotjar els
veïns que han perdut les cases a l’obrir-se la nova avinguda. El pla, però, há
estat liderat sempre per l’Ajuntament, que há estat un ferm defensor de la idea
que la zona necessitava un audaç esponjament.” (el Periódico, 22/09/2000)
A própria inauguração deste espaço durante as Festas de La Mercè
pretendeu imbui-lo de simbolismo para a própria população, além de ser um
aproveitamento político «ajustado». A Rambla passa a representar os
«desejos» de um novo Raval, sobretudo por parte dos poderes. Ela é
simultaneamente ponto de acesas discussões em torno quer do seu traçado
quer da sua existência. Esta grande praça/avenida ocupa uma superfície de
41.030 metros quadrados, um espaço equivalente a quatro hectares do
Eixample, e um pouco mais reduzido que a Praça Catalunya. É constituída por
um passeio central, bordejado de palmeiras, com vias laterais (que a circulam)
para os carros.
Com a criação do MACBA e outros edifícios de carácter cultural ou
lúdico nasce no Raval um novo território. Primeiro denominada Zona do Macba
e mais recentemente Bairro del Ponent numa tentativa de recuperar uma antiga
designação – esta própria tentativa é aliás factor construtivo e simbolicamente
desejado, visto que no passado parece estar a construção do futuro – muito
pouco usada. Nasce a Associação de Veïns del Barri del Ponent e a
valorização que sofre a zona de influência do Macba – entre a rua del Carme e
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a rua Pelai, e entre a Ronda de Sant Antoni e a Rambla – parece dilatar o
conjunto de territórios disponíveis dentro do Raval. Esta zona, inicialmente
denominada pela imprensa como «isla cultural del Raval» vai perdendo esta
denominação com o passar do tempo, passando sobretudo a denominar-se
como «área de influência do Macba». Esta zona, de serviços culturais para a
cidade, compreende todo o conjunto de edifícios em torno da Plaça del Ángels,
assim como algumas ruas onde se localizaram posteriormente (ou durante o
processo de construção dos edifícios culturais) algumas galerias de arte. O
conjunto de edifícios compreende para além do MACBA, o CCCB (Centro de
Cultura Contemporánea de Barcelona – Casa de La Caritat), e o Convento dels
Àngels.
“En esta zona del Raval están situados tres nuevos equipamentos de
gran importancia para la ciudad: el Macba, cuya construcción termina este año;
el Centro de Cultura Contemporánea de la Casa de La Caritat, que se inaugura
el mes que viene, y el Convent dels Àngels, la nueva hemeroteca munipal que
según las actuales previsiones debe terminarse a principios del 95. Todo este
entramado cultural surge en un área urbana de gran complejidad, donde
coinciden elementos de interés patrimonial con zonas degradadas o sin valor.”
(el Periódico, 14/01/94)
“El Centro de Cultura Contemporánea de Barcelona, situado en la Casa
de la Caritat, abre sus portas el próximo viernes como lugar de reflexión sobre
la ciudad y su entorno. Este proyecto cultural, concebido en la época de la
euforia preolímpica, ha costado 3.4000 millones de pesetas y es el único que
se abre conforme a las previsiones iniciales.” (el Periódico, 20/02/94)
“La parte más alta del Raval se está transformando. Poco a poco se va
creando un nuevo circuito cultural. (...) Actualmente, ya son seis las galerias
abiertas en la zona. Todas ellas de arte contemporáneo. (...)Por desgracia, los
vecinos del barrio non son consumidores potenciales, señala el gerente.” (El
Pais, 04/01/96)
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Se por um lado esta zona cultural aparece como rodeada de uma
auréola salvadora do bairro, vai-se denotando nas notícias dos últimos anos
um desalento e uma crítica mais acesa a estas intervenções sobretudo no que
concerne ao facto de elas não terem sido pensadas para os moradores do
bairro, levando a estratégias por parte das mesmas no sentido de dirigirem
algumas iniciativas para a população do bairro. Também começa a fomentar-se
a ideia de que o bairro necessita de novos habitantes, e a construção quer das
residências universitárias, quer das próprias universidades pretende atingir
estes objectivos, impondo ao bairro novas territorializações e novas
convivências.
“La zona baja del Raval y la Rambla ha sido la zona de Ciutat Vella en
que más lento y dificultoso se ha presentado el proceso de recuperación del
distrito. El ayuntamiento de Barcelona ha optado por atraer dependencias
universitarias para atraer a vecinos que puedan dar un nuevo aire al barrio. Los
sectores de la restauración y del ocio nocturno ya han empezado a notar el
cambio.” (el Periódico, 10/01/96)
Novos territórios estão também a desabrocharam a crescente imigração
de estrangeiros a ocuparem o bairro. Estes territórios sobrepõem-se ou
construem universos paralelos. O primeiro caso dá-se quando existem entre
eles uma interacção ofensiva ou implicada, e o segundo caso quando a
interacção é defensiva ou inexistente. Estes territórios adentro do Raval
construem-se como elementos por vezes autenticamente desconhecidos para
elementos de outros territórios do Raval, sucedendo-se por vezes a sensação
de insegurança que acarreta o desconhecido. O Raval apresenta-se também
como um território onde a luta simbólica e ideológica de conquista de território
parece suceder-se diariamente, e não estranhamente o bairro vai-se
construindo com base nos sucessos dessas lutas. Também não se estranha o
facto de o território se conquistar ou com a força e violência do poder político e
económico, ou pura e simplesmente com a força e a violência do crime. “La
gent està molt cansada, farta, i els veïns tenen por. Hi há delinquënts que s’han
fet propietaris del barri.” (el Periódico, 08/06/2000)
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“Demostrar que los paquistaníes sí son buenos ciudadanos, amantes del
orden y contrarios a los delincuentes...magrebíes. Algunos vecinos autóctonos,
que sufren los mismos problemas bajan a la calle a solidarizarse con los
«moros buenos» .Que tomados como colectivo, han conseguido hacerse con
buena parte de las tiendas y locales de la zona del Raval que va de la calle
Sant Pau (donde la hegemonía de comercios paquistaníes es visible) a las
Drassanes y el Paral.lel, incluyendo las calles paralelas (Nou de la Rambla, Arc
del Teatre) y perpendiculares (Montserrat, Lancaster, Guardia...).(...) Frente a
los paquistaníes están los comerciantes autóctonos, representados por las
asociaciones de comerciantes de las calles Sant Pau y Nou de la Rambla, que
ven en la proliferación de comercios paquistaníes – siempre abiertos, con
dependientes poco cualificadas, de sueldos inciertos – una competencia
desleal e implacable...” (La vanguardia, 14/07/2000)
Neste artigo denota-se a consistência do que atrás se disse, e também
se denota uma classificação dos habitantes do Raval: os autóctones e os
outros. Quanto aos primeiros o autor não especifica se se refere a catalães de
nascimento, a habitantes de longa data, a catalães de «nacionalidade», ou a
«espanhoís» pura e simplesmente. Quanto aos segundos, detectamos a
existência de distintas maneiras de ser «outro»: há os outros «bons» (mas
mesmo assim problemáticos) e há os outros «maus», ambos distintos do
«nós». A questão da multiculturalidade está intimamente e normalmente ligada
à questão da «violência urbana» enquanto imagem criada nos media
analisados, assim como podemos afirmar dentro da própria sociedade. O
simples facto de se falar de espaços multiétnicos ou multiculturais levanta a
questão de estes serem diferentes, e como tal normalmente zonas de conflito.
Por isso também se apresenta o Raval como multi não por exemplo Eixample
ou Graciá, onde também vivem não catalães, pessoas de diferentes origens,
em sua grande maioria europeus ou da américa do sul e centro. Detecta-se
uma classificação do que pode ser mais multi e menos multi, onde os
imigrantes que vivem no Raval – paquistaneses, marroquinos, sub-saharianos
e filipinos – constituem o território do multi, porque a «diferença» é mais
evidente, ou tornamo-la mais evidente. Convém acrescentar que a população
estrangeira do Raval ronda os 10% do total da popualçaõ do bairro (cerca de
30
30
5.000 pessoas constituem este mosaico multi...cerca de 45.000 constituem o
restante). O multi é sinónimo de estranho, de diferente e não raras vezes na
imprensa de «dificuldade de convivência» e por esta característica o Raval
parece ser o território por excelência de busca de notícias sobre o multi.
“Obviamente no se relacionan con nadie de aquí, por lo que apenas
entienden el idioma. Su única incursión en la vida ciudadana la realizan los
viernes, cuando acuden a las mezquitas de la calle Hospital o del Arc del
Teatre. Son impermeables a vuestra cultura dice X. Trabajar, rezar y ver vídeos
paquistaníes: su universo. (...)El segundo ejemplo responde a la pregunta «Y
los valores democráticos?» Es éste: «Un grupo de comerciantes de todas las
procedencias pide al Ayuntamiento que persiga a una conocida banda de
tironeros que actúa en la Rambla y, según el país de origen de cada tendero,
nos proponen: A) que les detengamos de una vez. B) que les apaleemos
públicamente para dar escarmiento. C) ídem, pero cortándoles las manos». El
debate de nuestro tiempo.” (La Vanguardia, 12/10/96)
“No només es queixen d’aquest grup concret de delinqüents, on hi há
majors i menors d’edat. Adverteixen també que la massificació d’immigrants
està generant situacions de risc que podem explotar en qualselvol moment. “ (el
Periódico, 08/06/2000)
Quer a sobreposição, quer o paralelismo de territórios sucede quando os
mesmos não estão definidos, isto é, não estabelecem interacções de
igualdade, permitindo a construção de um outro território mais abrangente e
único na sua personalidade, na sua imagem, como poderia ser o caso de o
Raval se constitui como território multiétnico e cosmopolita, onde diferentes
formas de fazer cultura e sociabilidade podem participar de igual modo na
construção da vida pública e da cidadania do bairro e da cidade de Barcelona.
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Conclusão
O Raval como metáfora e imagem é então esse território necessitado de
mudança, de uma mudança que obedeça à nova Barcelona, uma cidade cujo
seu discurso vai no sentido de modernizar toda a sua estrutura urbana.
Modernizar significa higienizar, alterar ruas e territórios, transformar a cidade
de modo a responder a um modelo, único, de convivência urbana –
representado pela parte alta à qual todos os restantes bairros parecem ter que
se aproximar, enfim de urbanalizar a própria cidade. Este discurso é de tal
maneira persuasivo, que os próprios habitantes do bairro chegam a tecer
comparações com esta outra zona da cidade, onde o Raval geralmente sai
como «perdedor», encontrando-se como único contraponto positivo a estreita
relação de vizinhança, e de quando em quando (sobretudo entre jovens,
intelectuais e estrangeiros a residirem no bairro) a «multiculturalidade». As
mudanças produzidas no bairro têm tido como consequência um afugentar da
população normalmente residente no bairro, quer pelo crescente aumento dos
arredanmentos e dos preços de venda das casas (ver anúncio colocado numa
parede sobre a venda de uma casa no Raval), quer pela existência de leis
higiénicas aplicadas às pensões.
“La rehabilitació de Ciutat Vella há produït millores en aquests i d’altres
indigents. També certs prejudicis. Agafem, per exemple, el tancament de
pensions perquè no complien les mínimes condicions sanitàries. Molts vells que
pagaven entre 400 i 500 pessetes per dormir, ara n’han de pagar, a les
pensions que reuneixen els requisits, entre 1.000 i 1.5000 pessetes, i de
vegades fins i tot 2.000 pessetes,, en tots els casos per una sola nit. Son preus
prohibitius per a les seves migrades jubilacions. Els problemes engendren
solucions que al seu torn tornen a engendrar més problemes . « (Avui,
12/09/94)
Também McDonogh refere esta questão: “The execution of these
changes made more prescient the 1981 concerns of a barrio spkosman to the
discourse he perceived to be forming around the disposition of the Convent dels
Ángels: «Amitting the installation of cultural activities of this calibre must carry
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the conscious assumption of transformations in the urban and social structure
that will be produced in the great spaces destined for accesses and parking as
well as in the impulse it will give to the specialization of the barrio in activities at
the level of the city, favoring the tertirization and concentration of services which
could brusquely revalue the zone (look at the Barrio Gótico) with the
consequent expulsion of the population through an increase in the rents»
(Artigues Vidal 1981, 24) “ (1999:366). Esta Barcelona, cidade que se quer
moderna, com um discurso de tolerante (Criadora do Fórum das Culturas 2004)
têm sobre o seu mais «multiétnico» bairro este paradoxo de o pretender
«alterar» na sua territorialidade. A necessidade de «modernizar» o bairro não
está separada desta necessidade nascida após 92 de modernizar a cidade, de
seguir a «limpeza» da zona portuária, levando a toda a cidade este
planeamento pós-olímpico. Estes programas de reforma urbanística
emergiram, tal como verificámos, de grupos de poder, e de uma busca de um
discurso hegemónico sobre a cidade. Os planos urbanísticos foram aplicados,
e discursivamente defendidos, ao nível da cidade ou da própria área
metropolitana, e a reforma foir subsequentemente imposta. A cidade criou-se
territorial e espacialmente, e os territórios tiveram que reformar-se com a
cidade, não parece haver discursos locais - isto é d bairros, ou reformas que
projectam a discussão particular de cada território. Transformou-se o bairro,
mais para transformar a cidade e responder aos desejos da cidade que para
(re)criar uma participação e alteração endógena do bairro.
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